domingo, 14 de julho de 2019

A Lua com dupla reflexão

A Lua com seus diversos tons.
Após o Sol, sem dúvidas a Lua é o astro mais notável do céu. Além disso, sempre que temos um telescópio à mão ela geralmente é a primeira na lista de alvos a serem observados. E garanto: ela nunca decepciona! Até mesmo para os observadores mais experientes, é sempre um deleite observá-la através das lentes de um telescópio. Na fotografia não é diferente, a Lua (via de regra) é quase sempre o primeiro alvo registrado no histórico de todo astrofotógrafo.

Nosso satélite natural é muito generoso com os iniciantes na astrofotografia, pois apesar de não possuir luz própria, ele reflete luz suficiente para belas fotos sem muita dificuldade. Mesmo câmeras sem telescópios são capazes de registrar as maiores crateras lunares com lentes de zoom, ou então telescópios simples (sem motorização) com modestas câmeras digitais também produzem belas fotos.

Reflexão


Como citado anteriormente, a Lua não possui luz própria. Mas como ela brilha tão intensamente?

Todo esse brilho que notamos na Lua deve-se à uma propriedade física chamada albedo ou coeficiente de reflexão. O albedo determina a capacidade que uma superfície possui de refletir a luz solar, variando numa escala de 0 (nada refletivo) até 1 (perfeitamente refletivo), ele pode ser aferido tanto num pedaço de carvão, quanto num asteroide ou mesmo um planeta inteiro. A Lua, que é o tema principal deste tópico, possui albedo total em torno de 0,12 e reflete tanto a luz do Sol quanto a luz proveniente da Terra.

Luz cinérea


Sim, você não leu errado. A Lua reflete tanto a Luz do Sol quanto a luz refletida pelo planeta Terra. Tal como a Lua, a Terra também possui um coeficiente de reflexão (albedo) que, em média, fica entre 0,30 a 0,35 a depender da cobertura de nuvens que influenciam diretamente nesta propriedade. Portanto, a Terra reflete a luz emitida pela Sol em direção à Lua tal como a Lua reflete para a Terra.

A luz refletida pela Terra é tão poderosa que é capaz de iluminar o lado escuro (não o lado oculto, que são coisas distintas) da Lua. Em noites de Lua nova podemos notar este efeito na parte escura do nosso satélite natural, basta ver que a região escura não está totalmente invisível, sendo possível observá-la em tons cinéreos, isto é, tons cinzentos. A luz que proporciona esta observação é justamente a luz que a Terra está refletindo, enquanto que a parte mais brilhante da Lua (a fase) está sendo iluminada pelo Sol.

A foto que encabeça esta publicação foi tirada por mim durante a fase crescente da Lua, no mesmo período lunar que proporcionou o eclipse total solar no Chile e na Argentina no dia 2 de julho de 2019. Nesta imagem temos metade da Lua iluminada pelo Sol e a outra metade iluminada pelo brilho da Terra (earthsine, ashen glow, Da Vinci's glow ou, simplesmente, luz cinérea).

Devido à diferença de luminosidade, foram necessárias duas fotos com configurações diferentes na câmera, apesar de estar utilizando o mesmo telescópio nas duas fotos. Uma imagem foi em longa exposição para pegar a parte escura e o fundo de estrelas e a outra foi em curta exposição para capturar a fase lunar sem saturar a imagem. Depois de tomadas as fotos, as duas foram empilhadas em HDR (high dynamic range) que é uma técnica de composição fotográfica que permite extrair uma maior escala de luzes na fotos que vai de tons mais claros aos tons mais escuros. Dificilmente (ou quase impossível) obter uma foto assim numa única exposição.
Curta exposição: 1/100 segundo ISO100
Longa exposição: 5 segundos ISO400
A técnica apresentada nesta publicação é muito comum na fotografia digital, seu ponto principal é a capacidade de revelar mais detalhes do objeto fotografado. Quando aplicamos tais técnicas nos objetos celestes conseguimos belas fotos, porém nem sempre é possível fazê-lo, mas garante algumas horas de trabalho e diversão.

Até a próxima!

Abraços,
Delberson.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Joias e diamantes - Messier 46

Aglomerado Aberto de Estrelas Messier 46
Messier 46, ou simplesmente M46, pertence a uma classe muito comum de objetos de céu profundo, que é a classe dos aglomerados estelares abertos. Este tipo de objeto é abundante no céu noturno, sendo possível encontrar um em cada canto do céu praticamente. No entanto, nem por isso são menos interessantes, porque apresentam-se em diferentes formas e cores, alguns deles apresentam até mesmo nebulosidade associada ao aglomerado.

Aglomerados estelares abertos possuem como característica intrínseca a jovialidade, geralmente os seus membros são estrelas jovens com a mesma idade e com o tempo vão se afastando uma das outras. Dentre as estrelas de M46 podemos notar que há algo diferente, com forma circular e cor esverdeada, este objeto já foi uma estrela um dia. NGC 2438 é agora uma nebulosa planetária, que é o resultado do final da vida de uma estrela com massa similar à do nosso Sol.

Então como pode haver uma estrela morta no meio de um aglomerado de estrelas jovens? Simplesmente porque estes objetos não estão no mesmo local, estão bem distantes entre si na verdade, porém estão na mesma linha de visada do observador aqui na Terra. Assim como quando uma pessoa observa um avião passando pela Lua, apesar de estarem no mesmo campo de visão, estão muito distantes um do outro.

Desde que iniciei na astrofotografia amadora o desejo em fotografar este aglomerado estelar já me conduzia a colocá-lo na minha lista de desejos, possivelmente pelo fato de haver esse outro objeto muito peculiar "dentro" do aglomerado. Como disse agora há pouco, cada aglomerado possui o seu charme e, neste sentido, M46 se destaca por haver uma nebulosa planetária (NGC 2438) contida em seu interior. Uma frase que descreve bem este objeto: "Messier 46 é como uma caixa de diamantes que abriga uma joia."
Nebulosa Planetária NGC 2438
Mas as surpresas não param por aqui! Além desta bela joia inserida dentre os diamantes, há ainda outra nebulosa planetária no mesmo campo de visão. Sim, SÃO DUAS NEBULOSAS PLANETÁRIAS! Sendo a segunda bem menor e mais tênue do que a que está no aglomerado, mas ainda assim se faz presente na foto.
Nebulosa Planetária PK231+4.1
Destaques para as pequenas nebulosas.
#Dados do objeto:
Nome: M46
Catálogo: Messier 46, NGC 2437
Descrição: Aglomerado aberto
Constelação: Puppis (Popa)
Magnitude Visual: +6.09
Tamanho Aparente: 20 arcmin.
Dist. Estimada: 4.900 anos-luz
Fonte: SkySafari 4 Plus app
#Equipamento:
Telescópio: Refrator Orion ED80
Distância Focal: 600mm
Câmera: QHY163M
Montagem: HEQ5 Pro
Filtros: LRGB Optolong
Guiagem: buscadora Meade 8x50 com câmera Starlight Superstar mono
Acessórios: aplanador de campo Orion; roda de filtros manual StarGuider

#Dados da captura:
Lum. (filtro L): 1.6 horas (subs 180s) bin1x1 -10° C
Vermelho (filtro R): 13 min. (subs 60s) bin1x1 -10° C
Verde (filtro G): 14 min. (subs 60s) bin1x1 -10° C
Azul (filtro B): 15 min. (subs 60s) bin1x1 -10° C
Exp. Total: 2.3 horas
Calibração: darks
Local: Silvânia / Goiás / Brasil
Data: 25 de maio de 2.019
Escala bortle: 4-5
Programas para aquisição: APT; EQMod; PHD 2
Programas para processamento: PixInsight e Photoshop CS6

sexta-feira, 3 de maio de 2019

The Dolphin Nebula - SH2-308 (ChileScope)

A astrofotografia amadora sofreu uma revolução nos últimos anos devido ao avanço da tecnologia que permitiu dois saltos importantes: mais qualidade nas imagens e maior acesso aos equipamentos. Telescópios bem corrigidos em escala industrial, montagens mais precisas, câmeras mais sensíveis e vários programas de controle e processamento, tudo isso agora acessível através das lojas especializadas no assunto.

Da mesma forma, o acesso a equipamentos remotos também se tornou uma realidade aos amadores, existem empresas que disponibilizam os seus equipamentos mediante o pagamento por tempo de uso e você pode, por exemplo, operar um telescópio a centenas de quilômetros de distância com céu isento de poluição luminosa a partir do seu quarto de casa.

Dentre as empresas que fornecem tal serviço há a ChileScope que conheci através de uma rede social (Facebook) e que promove eventos nos quais ela disponibiliza dados capturados pelos telescópios das instalações para os astrônomos amadores processarem as imagens. É uma via dupla, pois promove a empresa e possibilita o acesso a dados de alta qualidade.

Os telescópios da ChileScope são de causar inveja a qualquer astrônomo amador, todos equipamentos high end e quase impossível de se adquirir no Brasil devido aos custos dos produtos com frete e taxas de importação. Veja abaixo uma breve descrição:
  • Telescópio Newtoniano ASA 20'' f3,6 com corretor 3'' Wynne
    Custo aproximado: $14,816.15 USD;
  • Montagem Equatorial ASA DDM85 (capacidade de 100kg)
    Custo aproximado: $18,000.00 USD;
  • Câmera CCD FLI PROLINE PL16803 MONOCHROME
    Custo aproximado: $10,995.00 USD.
Trata-se de um telescópio refletor com 500mm de abertura, extremamente rápido (F/3.6), com corretor de coma de 3" e montagem equatorial com capacidade de carga para 100 quilos, tudo isso fornecido pela Astro Systeme Austria (ASA) que é uma das maiores empresas (senão a maior) de telescópios de alta precisão. Numa conversão bem grosseira dos valores, estimamos que um conjunto como esse custaria para ser trazido ao Brasil algo em torno de R$ 400.000,00 a R$ 500.000,00.

Acha que acabou? SQN.

Tudo isso montado em cúpulas no Chile, que é considerado um dos melhores locais do mundo em termos de qualidade de céu. Local isento de poluição luminosa, baixa umidade, baixa poluição atmosférica... não é por menos que vários observatórios profissionais estão instalados por lá. Para saber mais sobre a ChileScope, acesse: http://www.chilescope.com/

Recentemente a empresa disponibilizou os dados de captura de um objeto muito difícil de registrar com equipamentos amadores convencionais, pois exige filtros de banda estreita e longos tempos de exposição. Trata-se da nebulosa Sh2-308, também designada por Sharpless 308, RCW 11 ou LBN 1052, é uma nebulosa de emissão e região HII localizada perto do centro da constelação Cão Maior, composta por hidrogênio ionizado; está a cerca de 8 graus ao sul de Sirius, a estrela mais brilhante no céu noturno. A nebulosa é como uma bolha cercando uma estrela de Wolf-Rayet chamada EZ Canis Majoris, esta estrela está na breve fase pré-supernova de sua evolução estelar, estando a cerca de 4.530 anos-luz da Terra.

Foram disponibilizados 52 frames com 1.200 segundos de exposição (20 minutos por frame, somando mais de 17 horas de exposição) com os seguintes filtros: H-Alpha, Oxygen III, Luminance, Red, Green e Blue, totalizando aproximadamente 1.6 Gb de dados de imagem e mais 4.6 Gb de dados para calibração (darks, bias e flats). Existem algumas falhas no canal verde (G) e na luminância (L), mas não afetou o meu processamento porque eu utilizei apenas os dados capturados em banda estreita (h-alpha e oxigênio III), desta forma mantem-se as estrelas mais controladas e com maior destaque para a nebulosa.

Utilizando apenas dois filtros faz-se necessário sintetizar o terceiro canal para obtermos uma imagem RGB, desta forma aplicamos o h-alpha no canal vermelho, o oxygen III no azul e no verde utilizamos uma combinação de 65% OIII e 35% Ha, chamamos este processo de HOO.

Eis o resultado da captura do ChileScope com o meu processamento:


Dados da Captura e Processamento:

  • Telescópio Newtoniano ASA 500mm F/3.6 com corretor Wynne 3";
  • Montagem Equatorial ASA DDM85;
  • Câmera CCD Monocromática FLI Proline PL16803;
  • Exposição: 15x 1200s H-alpha / 12x 1200s OIII (total 9 horas);
  • Processamento: PixInsight 1.8

Em alta resolução: The Dolphin Nebula - SH2-308

Seguem abaixo os links para o download dos dados desta captura caso queiram se aventurar também:
Agradeço à equipe do ChileScope por disponibilizar os dados e espero que continuem a fazê-lo para a alegria dos astrônomos amadores.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Nebulosa Roseta - NGC 2237

Nebulosa Roseta - NGC 2237
Nebulosa Roseta (NGC 2237) é uma imensa região na constelação monoceros (unicórnio) visível no hemisfério sul durante o verão. Trata-se de uma área muito rica em hidrogênio ionizado (zonas vermelhas na imagem), além de possuir inúmeros objetos de interesse como pequenas nebulosas escuras, glóbulos de bok e nuvens moleculares.

Monoceros é uma constelação vizinha a Órion, O Caçador, portanto a Roseta desempenha um papel coadjuvante nos céus do início do ano. Menos brilhante do que a grande Nebulosa de Órion, porém muito maior do que ela ocupando uma área equivalente a cinco luas cheias no céu. É tão vasta que é praticamente impossível catalogá-la com uma única entrada no catálogo NGC (New General Catalog) comumente usado para enumerar os objetos de céu profundo. Há no mínimo cinco entradas no catálogo, sendo:

  • NGC 2237 - normalmente utilizado para toda a nebulosa, a descrevendo como "razoavelmente brilhante, bem grande e difusa";
  • NGC 2238 - parte da região nebulosa;
  • NGC 2239 - outra parte da região nebulosa;
  • NGC 2244 - o aglomerado aberto dentro da nebulosa;
  • NGC 2246 - parte da região nebulosa.


Apesar de ser um objeto consideravelmente grande, a região nebulosa é pouco brilhante tornando a observação direta através do telescópio bastante difícil; contudo o aglomerado ao centro é facilmente observado em pequenos telescópios e, em alguns casos, as nebulosas escuras também são visíveis em telescópios maiores.

Sem dúvidas o ponto mais marcante deste objeto é a bela semelhança que ele possui com uma rosa, cujos braços nebulosos remetem às pétalas de uma flor, aproximando assim a nossa concepção de realidade com o cosmos.

Destaques interessantes

Conforme escrito anteriormente, este objeto é rico em zonas de interesse, destaquei alguns recortes da imagem principal:
Aglomerado aberto de estrelas central.

Pequenas nebulosas escuras no centro (leopardos).

Pequenas nebulosas escuras.

Nuvens moleculares.

Glóbulos de Bok.
A captura

Este objeto configurava em minha lista de desejos há muito tempo, apesar da aparência imponente nas fotos de longa exposição, a Roseta é muito tênue e exige longos tempos de exposição, mesmo com câmeras dedicadas refrigeradas. Neste caso o filtro hidrogênio-alpha ajuda muito. Vejam abaixo uma imagem que fiz desta nebulosa com o mesmo telescópio, porém utilizando uma câmera fotográfica DSLR modificada em 2016:
Imagem com o 4,2 horas de exposição com câmera DSLR.
Agora observem a captura de 2019 com o filtro h-alpha:
Imagem com o 3,6 horas de exposição com filtro h-alpha 7nm.
#Dados do objeto:
Nome: Nebulosa da Roseta / Rosette Nebula / Nebulosa da Rosa
Catálogo: NGC 2238, NGC 2239, NGC 2246, NGC 2237, C 49, LBN 948
Descrição: nebulosa de emissão
Constelação: Monoceros (Unicórnio)
Magnitude Visual: +5.50
Tamanho Aparente: 80 x 60 arcmin.
Dist. Estimada: 5.500 anos-luz
Fonte: SkySafari 4 Plus app
Localização da nebulosa na constelação Monoceros.
#Equipamento:
Telescópio: Refrator Orion ED80
Distância Focal: 600mm
Câmera: QHY163M
Montagem: HEQ5 Pro
Filtros: LRGB Optolong, H-Alpha 7nm Baader
Guiagem: buscadora Meade 8x50 com câmera Starlight Superstar mono
Acessórios: aplanador de campo Orion; roda de filtros manual StarGuider

#Dados da captura:
Lum. (filtro H-Alpha): 3.6 horas (subs 300s) bin1x1 -10° C
Vermelho (filtro R): 0.5 hora (subs 120s) bin2x2 -10° C
Verde (filtro G): 0.5 hora (subs 120s) bin2x2 -10° C
Azul (filtro B): 0.5 hora (subs 120s) bin2x2 -10° C
Exp. Total: 5.1 horas
Calibração: darks
Local: Silvânia / Goiás / Brasil
Data: 15 de janeiro de 2.019
Escala bortle: 4-5
Programas para aquisição: APT; EQMod; PHD 2
Programas para processamento: PixInsight e Photoshop CS6

#Image Plate Solver:
Resolution ........ 1.318 arcsec/pix
Rotation .......... -33.010 deg
Focal ............. 594.59 mm
Pixel size ........ 3.80 um
Field of view ..... 1d 34' 42.2" x 1d 9' 46.7"
Image center ...... RA: 06 31 57.552  Dec: +04 59 20.49

#Melhor resolução:
Astrobin: resolução 2200x1621

Abraços!